Os prefeitos ameaçam a democracia no Brasil. É um afirmação muito forte, mas é a que cabe para definir o que, silenciosamente, vem ocorrendo nos municípios brasileiros após a introdução, pelos tucanos, da reeleição para os cargos executivos. Fernando Henrique Cardoso errou ao apoiar esta terrível regra eleitoral.
Cheguei a esta dura conclusão lendo Montesquieu, Maquiavel e entrevistando pessoas ligadas a política em vários municípios pelo Brasil a fora. Em todos os mais de cinco mil municípios ocorre, mais ou menos, os mesmos métodos criminosos de impedir o funcionamento dos poderes republicanos, pensados por Montesquieu.
Os prefeitos, com a possibilidade de mandato de oito anos, implantam verdadeiros impérios municipais, todos baseados nas lições que Maquiavel escreveu no famoso "O Principe". Parece até que, antes de entrar para política, frequentam escolas de maquiavelismo.
Para imporem suas ditaduras imperiais, os prefeitos controlam primeiro a Câmara Municipal, amordaçando o poder legislativo a pretexto de construir a governabilidade. Os métodos são variados, usam o mensalão como ponto de partida; mas estendem as benesses para os empregos públicos para parentes e aliados; contratos superfaturados de empresas laranjas; aluguel de prédios de familiares de parlamentares, onde funcionam órgãos municipais, como os conselhos tutelares e outros; favores em descontos de imposto predial; distribuição de placas para taxi e mototaxi; distribuição de licença para linhas de ónibus e vans. Desta maneira o Legislativo Municipal não passa de um teatro semanal, sem interesse na fiscalização e na regulamentação dos atos do Executivo.
Após ter o Poder Legislativo nas mãos, partem para outros órgãos, dentre eles o cartório de registro de imóveis, que passa a agir em conformidade com os interesses do prefeito, dando cobertura para compra de imóveis em nome de laranjas e que depois são revendidos por preços astronómicos a prefeitura municipal, quadruplicando os ganhos do gestor e ainda escondendo a fortuna desviada dos cofres públicos.
Outros poderes, como o Ministério Público e o Judiciário, são assediados pelo Gestor Municipal no sentido da colaboração, alguns cedem aos caprichos ou vão muito mais além, deixando a cidadania completamente desprotegida. Neste assedio, geralmente os prefeitos, valem-se de seus aliados deputados estaduais e federais, senadores e até dos governadores dos estados, tudo em troca de urnas bamburrando de votos nas eleições gerais.
A pressão de cima, estende-se aos Tribunais de Contas, que ameaçados de extinção ou compostos por ex-políticos, são Cortes frágeis, sucetíveis a toda sorte de investidas, anulando a fiscalização in loco ou na verificação de denuncias feitas por abnegados cidadãos, calados por ameaças de processos, posto que incapazes de provar o que estão vendo acontecer debaixo de suas barbas.
Os Policiais coitados, este é que não tem qualquer chance de reagir ao poder local. Geralmente é o prefeito que paga combustível, alimentação e outras despesas da corporação. Sem contar que os comandantes são escolhidos de acordo com o pedido do prefeito aos aliados de cima, amigos dos governadores.
Até o sistema penal está bichado com indicações políticas. Os dirigentes das casas penais do interior são apontados pelo político da região, igualzinho como no tempo do Barata. Mas o que isto interfere? Simplesmente os poderosos, os seus parentes ou aliados, quando cometem qualquer delito e o Judiciário determina a prisão, recebem tratamento diferenciado. Não esqueçam que são os dirigentes do sistema penal que assinam os laudos carcerários que dá direito a progressão de pena, pedido de relaxamento de prisão ou prisão domiciliar. Lembrem-se que a impunidade dos aliados do Poder é fundamental para calar ou intimidar os inocentes.
Os empresários com estabelecimento no município são alvo fácil da investida draconiana do imperador prefeito. Se forem empresas que tenham produtos para forneçer ao Executivo municipal, só o farão se colaborarem com o esquema do gestor, pois caso contrário nunca, mas nunca mesmo venderão uma agulha para administração local. Com este cenário ditatorial e marginal, as empresas sujeitam-se a fraudar licitações num processo combinado de cobrir o preço uma das outras, ou emprestar os documentos para dar ar de legalidade a outros certames.
Os empresários do comércio e de outros ramos que nada fornecem ao poder municipal, necessitam que ele não atrapalhe os seus negócios, dificultando as licenças de funcionamento, impondo cobranças de impostos e taxas. Lembrem-se que a burocracia no Brasil é terrível.
As igrejas, de qualquer confissão, dependem muito do poder local. Como? Quem ajuda nas quermesses, festividades, louvores, evangelizações? A expansão das igrejas ocorrem com o beneplácito do prefeito, que as vezes não ajuda, mas como atrapalha.
Já fui longe de mais, porém ainda falta o principal, a imprensa. Você acha que é possível ter imprensa independente que sobreviva ao poder local? Se você respondeu afirmativamente é porque acredita em papai noel. O jornais, blogs, rádios, tvs vivem de anúncio e a maioria dos anunciantes são aliados do prefeito ou a própria prefeitura. Os empresários independentes não querem comprometer-se abertamente e por isso não colaboram com órgão de imprensa com linha investigativa ou progressista.
Para encerrar, devo escrever sobre os partidos. Nos municípios só há espaço para oposição consentida, daquelas que quer o poder para repetir os mesmos métodos do grupo que governa, apenas trocando os atores. Partido de oposição autêntico, ideológico e programático não resiste a perseguição política e vai para o isolamento total ou sucumbe aos métodos, aliando-se a um dos grupos em disputa teatral.
Os prefeitos, geralmente, compram as principais legendas partidárias, quem não conhece histórias do tipo, na véspera da convenção a legenda trocou, inexplicavelmente de dono?
Tem prefeito que é tão sádico ao ponto de filiar o adversário com a promessa de apoio, para inviabiliza-lo eleitoralmente, rompendo com o coitado após o prazo de filiação.
O cenário é terrível, mas é real. Para iniciar uma luta em prol da democracia só mesmo acabando com o instituto da reeleição, pode até aumentar os anos de mandato de quatro para cinco, mas é urgente que se ponha fim a possibilidade de presidente, governadores e prefeitos concorrerem a um novo mandato estando no cargo, isto é terrível e detona a nossa democracia.
Os políticos que tem mandato não querem mexer nisto. Se as centrais sindicais, associações civis, igrejas, OAB, os jornalistas comprometidos com a liberdade de imprensa, entidades empresarias sérias, entenderem a importância desta medida e apelarem pela mudança nesta regra eleitoral absurda, nós conseguiremos. Vamos pressionar o Congresso Nacional?
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