Cerol está proibido




Cerol em linha de papagaio está sendo proibido em muitos estados brasileiros e inclusive tornado crime o seu uso. As linhas enceradas são um perigo para as pessoas que circulam de motocicletas, pois podem ter o rosto ou mesmo a garganta cortada ao cruzarem com as linhas de papagaio. Os papagaios enroscam-se nos fios de eletricidade provocando prejuízos as concessionárias de energia elétrica.

A prática de empinar papagaio com cerol deve ser proibida pelos riscos que representa, mas ao tomar conhecimento da matéria veiculada na imprensa nacional, lembrei-me da minha infância no bairro do Guamá, em Belém, quando fazíamos os nossos próprios ceróis, com formulas até secreta, tudo para sermos os campeões da rua.

O campeão da rua era aquele que empinava o papagaio assim que o vento virava para o geral, cortava todos com quem dava laço, sendo o última a baixar o papagaio, invicto. Nesta hora, toda a garotada estava ao redor do fanchão, esperando para comemorar. Para conseguir uma façanha dessa só tendo um bom cerol.

Empinar um bom papagaio vezinho ou enguinador para dar laço era o grande sentido da brincadeira. Os novatos, também apelidados de penosos - será que este apelido era uma encarnação ou bullying? - empinavam pipas, arrais, quando muito uma curica ou cangula, geralmente no leso e bem baixinho, que era para escapar rápido das investidas dos campeões.

Para encerar uma linha obedecíamos um ritual para lá de especial. Primeiro é preciso arranjar um bom paralelepípedo, instrumento fundamental para socar o vidro. Depois vinha a escolha do vidro que tanto podia ser de garrafas de Biotônico Fontoura, Emulsão de Scott, Magnésia ou de lâmpada florescente, estas eram as melhores, mas era preciso ter cuida ao quebra-las, pois qualquer descuido significa cortes.

Escolhido e socado o vidro, chegava a vez da cola. A cola podia ser de goma de tapioca, mas preferencialmente usava-se a cola para madeira vendida em tablete e que amolecia em banho-maria. Cola amolecida, vidro moído, misturava-se tudo bem dosado, de forma homogênea e estava feito o cerol, tinha os macetes na consistência da cola ou no tanto da mistura, ai era o talento de cada uma.

Com o cerol pronto e a linha desengomada era chegada a hora de encera-la. A linha tinha que ser de carretel de no mínimo quinhentas jardas. Depois de comprada, a linha era jogada na água e novamente enrolada para tirar a goma que vinha de fabrica. Depois de seca, a linha era passada dentro da cola com vidro e posta para secar novamente, dai era só empinar o papagaio, dar o laço e esperar o resultado da mistura.

O maior acidente que presenciei com a pratica de empinar papagaio foi o corte nos dedos, mas bastava enrolar um esparadrapo para prevenir o golpe da linha.

Naquela época tinham poucas casas, não tinha fiação elétrica e em todo bairro do Guamá circulava apenas uma Lambreta Vespa que pertencia a um membro da Guarda Civil conhecido por soldado Zé Guamá.

A rua era das pessoas e da molecada, podíamos brincar a vontade, sem perturbar e ser perturbado. Hoje tudo mudou, as cidades não pertencem mais as pessoas, são dos carros e das motos, os espaços foram tomados pelas casas e prédios, as ruas estão cheias de fios elétricos e a nossa inocente brincadeira de infância agora virou crime.


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