"A séculos, o povo paraense, assisti suas  riquezas naturais serem exploradas sem que o resultado deste processo  de exploração econômica signifique melhoria na qualidade de vida dos  povos desta região. Aconteceu no período da borracha e se repete com a  madeira, com o minério e agora com a energia.
No caso de Belo Monte, mais uma vez o  Pará corre o risco de sofrer as consequências, caso adote a posição cega  de ser a favor ou ser contra Belo Monte, a exemplo do que aconteceu no  caso de Tucuruí e nos grandes projetos. Resultado: o Estado ficou apenas  com os impactos.
Belo Monte deve servir de marco para uma  nova postura dos paraenses na direção de um novo destino, livre da  maldição de sermos um estado rico onde vive um povo pobre, sofrido e  acusado de devastar a maior floresta tropical do planeta.
Sobre esse assunto o presidente da  Comissão de Meio Ambiente da OAB-PA, José Carlos Lima, em entrevista  exclusiva para o nosso site esclarece alguns pontos obscuros sobre a  construção da hidrelétrica e que serão tema de discussão durante a  Sessão Especial do Conselho Seccional da Ordem, dia 3 de março,  quinta-feira, às 10h, no Plenário Lameira Bittencourt, onde também serão  discutidas as Resoluções 06 e a 237 do Conama, que trata sobre licença  ambiental.
O que a OAB tem a dizer sobre a  decisão da justiça, que suspendeu a licença de instalação parcial que  permitia o início das obras do canteiro da usina hidrelétrica  hidrelétrico de Belo Monte? 
José Carlos - A OAB  considerou que o órgão ambiental inovou ao liberar uma licença parcial  de instalação, figura estranha ao sistema de licenciamento nacional, que  trata as licenças ambientais em apenas três fases: Licença Prévia,  Licença de Instalação e Licença de Operação. O mais grave, porém, foi  liberar a licença sem que as condições prévias estivessem atendidas,  posto que as condicionantes eram parte da licença prévia e a liberação  da instalação estava adstrita ao atendimento daquelas obras chamadas de  antecipatórias.
O empreendedor não cuidou de preparar a  região para receber os trabalhadores, não construiu equipamentos de  saúde, de educação, de segurança pública. todos necessários para evitar  os impactos da migração, que ocorrerá com o início da obra e a atração  de um grande contingente de pessoas para a região afetada. A base do  estado de direito é o fiel cumprimento da lei e quando a lei não está  sendo observada, faz-se necessário a prestação jurisdicional, como a que  foi requerida pelo Ministério Publico Federal e concedida através da  liminar que veio em boa hora.
A OAB continua defendendo a construção da hidrelétrica? 
José Carlos - A posição  aprovada pelo Conselho Seccional da OAB - Pará foi o de defender a  construção da AHE de Belo Monte, mas com os cuidados socioambientais que  estão previstas no Plano Básico Ambiental e nas condicionantes  constantes da Licença Previa. Muito embora a OAB tenha diligenciado para  o cumprimento destas regras simples, como é o caso da composição do  grupo interinstitucional de acompanhamento do cumprimento das condições,  não temos encontrado boa vontade por parte, justamente, dos órgãos  governamentais responsáveis pela defesa destas regras, o que tem nos  deixado bastante preocupados, e a Ordem está propensa a adotar outra  postura, podendo até rever sua posição inicial de apoio.
Após decisão da justiça, qual será o próximo passo da Ordem? 
José Carlos - Teremos  uma reunião do conselho seccional no dia 03/03, onde será feito um  balanço do cumprimento das condicionantes, e como este balanço é  bastante negativo, a tendência da OAB – Pará é se reportar a presidente  Dilma Rousseff, informando os fatos e requerendo a suspensão  administrativa da licença e a providencia  na composição do grupo  interinstitucional, previsto  no item 2.2 das condicionantes. Para  integrá-lo, defendemos a participação da OAB, MPF, MPE, FIEPA, Fort  Xingu, Governo do Estado do Pará, Consórcio de Prefeitos, Sindicato dos  Urbanitários, Federação dos Trabalhadores e Movimento Xingu Vivo Para  Sempre.
A Ordem irá discutir as Resoluções n.º 06 e 237 do Conama por inconstitucionalidade? Por quê?
José Carlos - As duas  resoluções acima citadas, retiraram dos estados, em cujo território  ocorrerá os impactos socioambientais, o direito constitucional de  participarem dos licenciamentos ambientais.
A Constituição Federal de 1988, art. 24,  VI e VII, enquadra a defesa dos recursos naturais e a proteção, bem  como, a responsabilidade por dano ao meio ambiente, no rol das  competências concorrentes. Já as Resoluções Conama nº 06 e 237, ao  contrário, trataram as hidrelétricas e as obras com significativos  impactos ambiental de âmbito nacional ou regional, no campo da  concorrência privativa da união, baseado na teoria do interesse  preponderante, em contraposição a teoria da abrangência do impacto  ambiental.
É certo que o legislador federal se  omitiu na edição da lei complementar reclamada pelo art. 225, mas dai  uma Resolução violar o princípio federativo e as regras de competências  constitucionalmente não é admissível. O principio é o da cooperação  entre os entes da federação, pois embora a União tenha o dever de  defender o interesse de todos á produção de energia, os impactos   ambientais e sociais atingirão concreta e diretamente o território de um  determinado estado. Por outro lado, o direito ao desenvolvimento  econômico não prevalece ao direito vida. A “qualidade do meio ambiente é  um bem, um patrimônio, um valor mesmo, cuja a preservação, recuperação e  revitalização é um imperativo do Poder Público, para assegurar o  direito fundamental à vida” (José Afonso da Silva).
No caso de Belo Monte, apenas para  ilustrar, o estado do Pará receberá a obra, os operários, as alterações  ambientais sobre a fauna e a flora, modificação na vida e na cultura da  população indígena, mas não foi ouvido e nem pode opinar em fase alguma  do processo de licenciamento da obra, muito menos dos estudos de  impactos e das soluções apontadas.
Indicaremos ao conselho seccional a  possibilidade de requerer ao conselho federal que ingresse com uma Adin  questionando as duas resoluções e, ainda, proponha a bancada federal do  Pará a apresentação de um projeto de lei que discipline as competências,  resguardando os interesses de estado, como o Pará, possuidor de  potencial ambiental e de grande quantidade de reservas e recursos  naturais, que por esta razão não pode aceitar a condenação de sua  população a um estágio inferior de qualidade de vida.
O que provocou essa discussão? Quando iniciou?     
José Carlos - A  discussão sobre a competência para licenciar obras de grande porte  surgiu com o debate sobre Belo Monte. Soava estranho para Ordem dos  Advogados uma obra totalmente localizada no espaço territorial do estado  do Pará e este Estado não participar em momento algum do processo do  seu licenciamento. Com o aprofundamento jurídico da matéria, chegamos a  conclusão que era vital para o Estado com reservas de recursos naturais,  como no caso do Pará, que se debatesse o assunto a luz da Constituição  Federal, em defesa do princípio federativo.
Porque a União avocou para si a competência sobre Belo Monte?
José Carlos - No caso  de Belo Monte, o processo de licenciamento iniciou na SECTAM, mas  na estratégia de parar a obra, o Ministério Público Federal questionou a  competência do órgão estadual, porém o debate de constitucionalidade  não chegou a ser travado na esfera do Poder Judiciário. Simplesmente a  União, através da Eletrobras, iniciou outro processo de licenciamento  junto ao Ibama e este segue até agora, sem que a competência voltasse a  ser questionada.
Quais as propostas da Ordem para resolver essas questões?
José Carlos - A Ordem  tem dois caminhos e pode adotar os dois. O primeiro deles é a via  judicial para fazer o debate da constitucionalidade das resoluções. O  segundo caminho é apresentar a bancada federal uma propostas de lei  complementar definindo, dentro da regra de competência concorrente do  art. 24 da CF, as competências da União, dos estados, dos municípios e  do distrito federal. Isto é muito importante para o Pará, pois estão  previstas a construção de pelo menos mais cinco hidrelétricas no nosso  território nos próximos anos.
Porque a Ordem não se pautou nesse argumento para suspender a licença parcial de Belo Monte?
José Carlos - A Ordem,  até agora, é favorável a construção de Belo Monte, mas exige o  cumprimento das condicionantes, neste diapasão nos interessa parar a  obra até que as regras do licenciamento sejam respeitadas.
Uma ação de inconstitucionalidade, neste  caso, pode trazer outras consequências menos interessantes e onerosa  para todos. Para evitar um dano maior e corrigir os processos futuros de  licenciamento, a OAB – Pará, caso opte por uma ADI contra as resoluções  Conama, poderá invocar a regra do art. 27 da Lei Federal   9868/99,  requerendo que o STF restrinja os efeitos da declaração.
Nós sabemos que existem dois  interesses em foco: os interesses do Governo e da sociedade. O que  prevaleceu no caso de Belo Monte?  
José Carlos - Diria que  os dois interesses que precisam ser harmonizados, é de promover o  desenvolvimento nacional com a garantia a todos de um meio ambiente  ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida. No caso de Belo  Monte, digo que também é fundamental não esquecer que é objetivo  fundamental da República a erradicação da pobreza e a redução das  desigualdades regionais.
O MME está focado em cumprir sua meta de aumentar a oferta de  energia, cabe ao MMA defender os princípios ambientais, mas estamos  observando que nesta queda de braço os construtores de barragem estão  levando vantagens, por isto cabe a OAB, como instituição da sociedade  civil, atuar em defesa dos interesses coletivos, buscando o equilíbrio  preconizado pela nossa Carta Magna."* Entrevista publicado no site da OAB-Pará

