O que os americanos querem de nós?


Assistindo as notícias da visita do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barak Obama, ao Brasil e ouvindo os trechos do seu discurso, no qual elogia o Brasil e os brasileiros, nos fazendo esquecer da “síndrome de vira-lata” e até acreditar que somos uma potência mundial, faço uma retrospectiva da presença americana na vida da minha geração e lembro que devo ser desconfiado sempre.

A primeira imagem que vem a minha mente é de uma lata de metal quadrada, cor prata, de aproximadamente três litros (na verdade um galão ou 3,785411784 litros), contendo óleo de cozinha, com um rótulo, acho que era azul e vermelho, com duas mãos em cumprimento, onde era possível ler: “Aliança para o Progresso” , um programa americano, lançado pelo presidente John F. Kennedy, com objetivo de barrar a onda comunista iniciada em Cuba.

Os Estados Unidos havia apoiado o golpe militar que derrubo o governo civil brasileiro, levou o país ao caos, a violência, acabou em um mar de corrupção, com a economia descontrolada e uma forte inflação a corroer a poupança nacional. O Brasil devia uma fortuna, por isso era obrigado e submeter-se a cartilha do Fundo Monetário Nacional, o famoso FMI. Deram-nos uma bordoada e nos agradavam com óbolos.

Além do óleo, o programa “Aliança para o Progresso” distribuía farinhas e roupas usadas, dentre elas vinha a famosa calça Lee desbotada. Na época, a moda aqui no Brasil era usar uma calça de brim chamada “Brim Coringa”. Com a calça Lee, vieram as noticias sobre o movimento de Paz e Amor dos hippies. As questões ambientais, a prática de nudismo, e a emancipação sexual eram ideias respeitadas recorrentemente por estas comunidades.

O movimento Hippies encontrou um país em quase guerra civil. Os jovens brasileiros resolveram ir as ruas e lutar por liberdade e democracia. Os militares reagiram com ferocidade e liquidaram muitas organizações políticas, prederam e torturam pessoas, baniram brasileiros importantes. Fernando Gabeira foi o simbolo desta juventude aguerrida e por sua ação em defesa da democracia nacional, até hoje não recebe visto de ingresso nos Estados Unidos.

Eu cresci aprendendo a desconfiar das intenções americanas para com o nosso Brasil, mesmo tendo me alimentado das farinhas do programa “Aliança para o progresso”, soube do apoio deles ao golpe de 1964 e a “ditadura militar”; da intervenção americana na nossa economia e o sangramento desumano das nossas reservas. Diante de tudo que ouvi e li, nunca me furtei a participar de inúmeras passeatas antiamericanas. Gritei o “Fora daqui, o FMI”, vi queimarem as bandeiras americanas e dizerem “americanos, go home”.

Os EUA hoje é um outro país. Passa por uma enorme crise econômica puxada pelo setor imobiliário, gerando uma forte retração na oferta de emprego; a imagem americana no mundo não é positiva e na política, elegeram um presidente negro e democrata para administrar a crise e melhorar as suas relações internacionais.

O Brasil também mudou e mudou muito. Derrotamos nas ruas o governo ditatorial. Superamos através de um governo civil a inflação galopante. Quitamos nossa divida com o FMI. Elegemos um operário pra presidente da república. Agora somos governados pela primeira mulher presidenta. Nossa economia está forte e dá sinais que ficará mais forte ainda. Somos um grande mercado consumidor. Fabricamos nossa própria farinha, nosso óleo e nosso jeans. Falta ainda fazer as reformas necessárias para assegurar o futuro da nossa democracia e a superação dos altos níveis de desigualdade social.

Olho a festa que fazem ao presidente Barack Obama, admiro-me com sua simplicidade e carisma. Alegro-me com suas palavras entusiasmada sobre o Brasil. Mas, desconfiado como aprendi a ser, pergunto: qual será a intenção dos americanos para conosco?


 

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