Uma cidade acorda cedinho

Belém, como qualquer cidade do mundo, acorda aos poucos. A vida está ligada ao trabalho e as pessoas acordam para trabalhar e assim acordam a própria Cidade.

Belém começa acordando pelas garagens de ônibus e pelo ver-o-peso. Os motoristas e cobradores saem bem cedinho para colocar seus ônibus no ponto de fazer a primeira viagem. Daí vão apanhando os primeiros moradores de Belém que se deslocam até ver-o-peso onde vão comprar, carregar, vender.

Conforme vão chegando, vão abrindo as barracas, tirando as mercadorias e expondo-as. Outros vão buscar suas caixas com as quais transportam o peixe de um lado para o outro. Tem aqueles que são os proprietários das balanças que comparam, pesam e revendem o pescado. Descem dos ônibus, tomam um mingau, um café ou um dose de cachaça, um dedo de prosa e já estão na lida.

E os trabalhadores dos barcos chamados de geleiras? Enquanto o motoristas tiram os carros das garagens para fazer as primeiras viagens, estes já acordaram e estão providenciando o café da manhã, tomado na proa do próprio barco, ali mesmo no atracadouro, onde os barcos passaram a noite toda, pois chegaram na maré de ontem, vindos do Marajó, Soure, Salvaterra e Cachoeira do Ararí; da Vigia principalmente.

Na Praça do Relógio, as quatro da manhã, é um corre corre de gente que você nem acredita. As pessoas passam de um lado para o outro, correndo atrás da suas sobrevivências. Nas calçadas vendem-se roupas para quem não tem tempo de ir a uma loja, pois trabalha de madrugada e dorme cedo da noite.

Na feira do açaí o frenesi é incrível. Os moradores das ilhas chegaram bem cedo com suas canoas cheias de seus paneiros escuros, até a boca. Os batedores, donos das máquinas de bater açaí, estão lá. Quem chega primeiro pega os melhores frutos. Dizem que o açaí bom é aquele que tem uma camada branca por cima da casca pretinha. Não sei não, só sei que ali na feira da 25 vende um açaí com charque que é uma maravilha.

São cinco e meia, já vai chegando os primeiros raios da luz do sol. Os carros de frete já estão carregados de peixes, verduras, frutas e começam a deixar o ver-o-peso em rumo das feiras dos bairros. Neste momento chegam os ambulantes, vendedores de lanches e os primeiros comerciários para abrir as lojas e barracas do comércio.

Num outro ponto da Cidade, a Ceasa ferve de pessoas desde as três da manhã, são feirantes e comerciantes donos de mercadinhos negociando cebolas, batatas, cenouras, melões, melancias, mamões…

As feiras dos bairros já estão armadas, as padarias e mercearias abertas e as primeiras empregadas domesticas, após arrumar maridos e filhos, deixar pronta a comida de casa, saem para mais um dia de trabalho, vão preparar o café da manhã dos seus patrões.

As bicicletas estão saindo do Jurunas, da Cremação, do Guamá, da Terra Firme e da região da Augusto Montenegro, são trabalhadores da construção civil, dos supermercados, de todas os setores. Tem o pai que leva o filho na escola, tem o marido que leva a mulher no trabalho. Só não tem ciclovias ou ciclofaixas para todos, uma pena.

Os padres também começam a trabalhar cedinho. Logo seis horas, algumas Igrejas abrem para receber fiéis. Aos poucos vão chegando aquelas senhorinhas pequeninhas, com cabelos esbranquiçados e carregando um livro de cânticos ou uma fita das filhas de Maria. Na Igreja de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, às terças são movimentadas. Os pastores não sei, acho que dormem até mais tarde que é para ficar na televisão varando a madrugada. Os umbandistas também acordam tarde e domem depois dos pontos, geralmente à noite. Os sambistas, nem se fala.

De repente a Cidade fica repleta de estudantes, são as fardas e emblemas que se misturam nos ônibus. Cada um com seus fones de ouvidos, absorvido pelas canções escolhidas, sonhando em crescer ou remoendo seus medos com o futuro incerto.

As praças e calçadas vão sendo ocupadas por pessoas, um pouco gordinhas, é verdade, mas cheias de vontade de voltar ao peso ideal. Na Batista Campos tem desfiles de tênis, pedômetros, iphones, camisas de marcas. Na da República também. Mas as pessoas também caminham nos bairros pobres do jeito que dá. Os mais sarados, com músculos definidos, não caminham nas ruas e praças, apenas nas academias, dizem que são bons lugares, tem até personal traning, que é um treinador só para você, a sua disposição, isto dá status e também fofoca.

Já é nove da manhã e tudo está funcionando, não como devia. A Cidade acordada parece até um pessoa, é no decorrer do dia que aparecem os problemas da vida moderna. Trânsito, barulho, congestionamentos, lixo, poluição, assaltos.

 

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