Mulheres do Marajó embarcam nas balsas que passam pelo Rio Pará, entre os municípios de Muaná e são Sebastião da Boa Vista, fazem sexo com os marinheiros, em troca recebem óleo diesel e presentes. São as balseiras do Marajó, e a prática vem atravessando gerações de mulheres enquanto os governos e as promessas se sucedem.
Nos anos de 80, quando dirigia a secretaria de política sindical da Central Única dos Trabalhadores, instituição que ajudei a criar, fui abordado por um simpático vereador de São Sebastião da Boa Vista, de nome Barrinha. O vereador queria que a secretaria e a CUT ajudassem a reorganizar o sindicato dos trabalhadores rurais. Marcamos uma primeira reunião lá em São Sebastião da Boa Vista e para lá eu fui acompanhado do vereador. Foi minha primeira viagem de barco e a primeira visita a um município do Marajó. Tudo era novidade.
As 18 horas de uma sexta-feira, dirigi-me ao porto na Estrada Nova para embarcar no Bergantim, segundo Barrinha, o mais seguro e higiênico barco para a Boa Vista. Não sabia amarrar a rede. O nó e o jeito de amarrar é todo especial. Os homens colocavam sua rede de um lado, e as mulheres do outro. Andei por minutos com a rede na mão sem saber o que fazer, até que o cozinheiro, conhecido como "Bomba", me socorreu, resolveu meu problema e ainda ensinou o nó que não danifica o punho da rede e facilita na hora de desamarrar.
Tudo para mim era novidade. As famílias inteiras embarcando. As pessoas que iam deixar parentes nos barcos. Os outros barcos. Uma verdadeira festa ali na beira do rio Guamá. Morando há muito tempo em Belém, nuca tinha visitado esta parte da cidade.
A viagem seguiu, após o barco desatracar pontualmente às 19 horas, depois dar três apitos, com intervalos de dez minutos de um para o outro. Outros barcos também zarparam. No meio do rio eles foram manobrando sem bater e seguirem cada uma para o seu destino. Uns para o Marajó, outros para o Tocantins. O Bergatim era confortável. Logo que o barco desatracou e os marinheiros recolheram as cordas, abriu-se a lanchonete e o Bomba apareceu servindo um gostos café aos passageiros.
Nossa primeira parada foi em Barcarena. De lá, seguimos para atravessar a baia do Marajó. Pela madrugada, o barco foi parando em alguns portos, quase todos com fabricas de palmitos. O maior era o porto da Palmazon. Paramos depois, perto do Jararaca. Neste lugar, soube de uma história triste, mulheres faziam sexo com os marinheiros das balsas que passavam para Manaus em troca de óleo diesel. Custei a acreditar. Mas confirmei toda a história nas diversas viagens que fiz até organizar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Sebastião da Boa Vista.
As mulheres subiam nas balsas, faziam sexo e ganhavam litros de óleo diesel. Nunca soube quanto de óleo elas recebiam em troca destes favores sexuais. Sei que as casas, naquelas ilhas, tinham sempre barris para armazenam o óleo obtido com esta prática. O óleo era vendido aos pequenos e numeroso barcos que rodavam por ali e também abasteciam os geradores de luz das casas e vilas de Boa Vista e Muaná.
Passaram tantos anos que até me esqueci das balseiras, como eram conhecidas as mulheres que praticavam sexo por óleo diesel. Para mim, depois de tantos avanços tecnológicos, tantos programas sociais, quarto governo tucano e um petista, isto era coisa do passado. Na minha cabeça, com internet, facebook, as mulheres continuavam fazendo sexo no Marajó, mas por puro prazer e com os seus escolhidos.
Passando em uma banca de revista, meu mundo desabou. Vi a edição de novembro da respeitada revista National Geographic Brasil, comprei por causa de uma matéria sobre Cuba, mas quando folheei, estava lá uma matéria como o título: Amazônia proibida: sexo por óleo diesel. Achei que era no alto-amazonas, longe, muito longe daqui. Mas para minha decepção, não era não. No mesmo lugar, nas mesmas ilhas, as filhas e netas das minhas balseiras, estavam lá, no Marajó, praticando o mesmo sexo em troca de óleo diesel. Em 2012, no Pará, no arquipélago do Marajó, o Bergantim deixou de viajar, o simpático Bomba já faleceu, agora tem deputados, tem políticos, tem votos, mas ainda não chegou a energia e nem a dignidade.