Também fui assaltado

Depois de participar de uma sessão do conselho da OAB sobre violência, onde a cúpula da segurança pública compareceu para apresentar dados e propostas para responder ao crescente número de crimes que atingem todos e de todas as classes, fui para casa de carona no carro do conselheiro Cleans Bonfim comentando sobre a insuficiência das explicações das autoridades.

Na porta do meu prédio, quando me preparava para descer, um jovem muito nervoso, encostou uma arma e me obrigou a entrar no banco traseiro e deu ordem ao conselheiro Cleans, ao volante, que segui-se em frente, sem fazer qualquer gracinha, obedecendo suas ordens, caso contrário eu seria morto.

Com a arma todo o tempo apontada para mim, o jovem disse que era menor, estava doidão, nada tinha a perder e queria tudo, dinheiro, relógio, eletrônicos, etc. Começou um tensa negociação entre nós e o bandido. A muito custo, conseguimos acalma-lo e fazê-lo aceitar o dinheiro de nossas carteiras e o relógio do conselheiro Cleans.

Na esquina da Caripunas com a Generalíssimo, o bandido nos largou e correu para a baixada, sem saneamento, escura, sem asfalto, sem área de lazer e sumiu na escuridão do canal que corta a rua e que ainda espera de que as obras de macrodrenagem reiniciem.

Saímos do local o mais rápido que podemos e fomos a delegacia de São Braz registrar, para efeito das estáticas, a ocorrência.

A delegacia estava lotada, apenas um delegado de plantão e um investigador trabalhando muito para dar conta de duas guarnições que faziam apresentação de flagrantes de assalto, um grupo envolvido em acidente de trânsito, um idoso tarado que, bêbado, apalpava mulheres em plena rua e uma jovem e sua mãe. Todos aguardavam serem atendidos pelos poucos funcionários.

Enquanto aguardávamos para registrar o assalto, aproximei-me da mãe e filha e descobrir, estupefato, que se tratava de uma jovem advogada, assaltada ao sair de casa, em plena Travessa Guerra Passos, Canudos. Dois jovens, armados, em uma bicicleta, aproximaram, renderam a colega e levaram sua bolsa com tudo, inclusive com o cartão da Ordem.

Ao relatar o assalto para o escrivão, voltou-me as cenas e os detalhes. Percebi que em nem um momento tive raiva do bandido. Não sei qual foi de fato o meu sentimento além do pânico. O rosto daquele jovem pobre e de periferia, que será em breve assassinado pela polícia ou pelos traficantes, não quer sair da minha mente. Não lembro de detalhes, não serei capaz de reconhece-lo ou fazer um retrato falado, não o consigo individualiza-lo, ele para mim é um rosto coletivo de uma sociedade apodrecida que pede socorro e recebe droga, bala, privações.

Eu já vi aquele assaltante em muitos cabos eleitorais que balançam bandeiras, distribuem santinhos de políticos nos dias das eleições e vendem o voto para comprar mais drogas ou quem sabe completar com o dinheiro do bolsa família o valor das prestações.

Na delegacia, recebemos o apoio dos colegas Imbiriba e Leonardo. Pelas redes sociais, todos os conselheiros da Ordem prestaram solidariedade. Quando a notícia se espalhou pelo facebook, o assunto virou um debate com muitas opiniões e muitos relatos de outros assaltos. Cleans deixou-me em casa, voltei para a segurança da minha família, mas não consegui dormir e não consegui parar de pensar no assalto.

O que me perturba é a saber que lutamos tanto por uma sociedade justa e os nossos líderes não foram capazes de preservar a paz  e garantir um futuro para o nosso povo. Me incomoda a posição assumida pelo Governo do Estado de que está tudo bem. Me incomoda saber que por trás dos muitos jovens tem um corrupto e um traficante rico estimulando o aumento da criminalidade. Me incomoda o silêncio por medo dos homens de bem.

A OAB continuará pressionando o Estado. Mas a sociedade precisa mostrar nas ruas sua insatisfação.
 

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