Raimundo Carreiro venceu a falsa moral

O caso do ministro que mudou a idade para não se aposentar, ainda ficar dois anos como conselheiro e chegar a presidente do Tribunal de Contas da União acabou sendo abafado pela imprensa nacional. Nem deu tempo das rede sociais tomarem gosto pelo assunto, mas é um assunto para lá de quente.

O ministro Raimundo Carreiro é uma homem de muita sorte. Andava pelo interior do Maranhão (não sei a cidade) sem lenço e sem documento. Não tinha futuro. Até que um dia, a política o abraçou. Passou por lá pela sua casa um grupo pedindo votos. Era eleição de 1966. A UDN queria eleger os seus. A disputa era renhida. Cada voto podia fazer a diferença. 

Raimundinho era um voto a mais. Só que não tinha certidão de nascimento. Só um batistério, prova de sua consagração à Igreja Católica, havia dezesseis anos.  Isto não é problema, disse o cabo eleitoral. Vamos providenciar tudo. Como, o menino não tem idade?

Raimundo passou a se chamar Raimundo Carreiro, dois anos mais velho. Saiu do cartório com certidão de nascimento, dois anos mais velhos, título de eleitor e o engajamento na campanha da UDN. Um cidadão forjado pela política dos coronéis.

O primeiro voto a gente nunca esquece. Raimundo sempre lembrava do padrinho político. O padrinho também não esqueceu de Raimundo. Até que um dia, a amizade política fez de Raimundo o mais novo funcionário da Gráfica do Senado Federal. 

Raimundo queria mais. Foi efetivado no cargo por uma Resolução, maldosamente apelidada de "trem da alegria". Dai foi um pulo para conseguir o melhor. Crescer na carreira de funcionário efetivo do Senado Federal. Homem de confiança, assumiu o maior cargo depois de Senador, secretário da Mesa Diretora da Casa Legislativa. Raimundo venceu.

Prestes a se aposentar, Raimundo acreditava que ainda podia contribuir com o país. Por coincidência, surgiu uma nova oportunidade dele mostrar seu amor pelo Brasil. Aceitou de bom grado a missão que seu padrinho lhe incumbiria: Conselheiro do Tribunal de Contas da União. 

Já aposentado do Senado, Raimundinho segui para o novo cargo. Trabalhou com afinco, sem pensar nos dias que ainda lhes restavam de atividades na Corte de Contas. 

Um belo dia, depois de trabalhar arduamente, Raimundinho foi tomado de pânico, estava completando 70 anos e, por lei, deveria ir para casa. Como ir para casa assim se agora era a vez de assumir a presidência do TCU? Triste, Raimundinho foi dormir, no auge do sono, lembrou-se que sua certidão havia sido alterada e que ainda lhes restavam dois anos antes de completar a idade expulsória. 

Raimundinho acordou feliz, aquilo era uma aviso dos céus. Foi direito ao Judiciário reclamar. O Juiz recebeu a petição. Analisou o caso. Ouviu testemunhas. Concluiu que de fato havia ocorrido uma fraude na idade do peticionante, fraude nas eleições, fraude na posse do cargo no Senado, fraude na aposentadoria... Mas não podia decidir extra petita, afinal, o que não está nos autos não está no mundo. Ainda mais que o homem tinha padrinho forte. A sentença foi expedida e o cartório obrigado a expedir nova certidão de nascimento e Raimundo rejuvenesceu dois anos. 

Os conselheiros do TCU, ao tomar conhecimento da nova idade do colega, resignaram-se com a possibilidade de Raimundo Carreiro continuar entre eles e, em breve, assumir a presidência da Corte que julga os erros administrativos e contábeis dos ordenadores de despesas. Lugar que zela pela boa aplicação dos recursos arrecadados com impostos. 

A noticia, porém, vazou para imprensa. Matérias especulativas foram publicadas até que o grande jornalistas, defensor da moral nacional, Alexandre Garcia, sentenciou: a história de Raimundo Carreiro é o retrato de uma Brasil sem certidão e sem cidadania. Trata-se de uma raro caso de um menino pobre, do interior longínquo do Maranhão e que venceu na Capital Federal.
 

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