O seu zé é catador

A reunião entre o prefeito Zenaldo Coutinho e os catadores do "Lixão do Aurá" mal havia começado, já estavam presentes todos os secretários, dirigentes de órgãos, a comissão de catadores e o representante da Ordem dos Advogados, quando o catador conhecido por José da Vaugea (Varzea) pediu a palavra.

O clima ainda estava tenso por causa do primeiro ponto da pauta que tratou da indenização quando José pediu para se pronunciar. A negativa do prefeito, alegando que a PMB não tinha recurso e nem amparo legal para conceder o valor que os catadores pedem para sair do lixo e tentar se estabelecer em outro negócio tocou fundo em "Seu Zé" e ele quis dar um depoimento..

"Seu Zé", em poucos minutos de fala direta, dura, honesta e com palavras de um só significado, contou uma vida de 47 anos de sofrimento e superação.
- Prefeito! iniciou "Seu Zé";
- Tenho 47 anos de vida e tudo que possuo, adquiri no lixão; o Lixão é tudo para mim; e seguiu narrando.
Eu, prefeito, fui criado na rua, sem casa, sem família; Nunca andei de turma, fazia meus lances sozinho; fazia um lance, me abasteci e ficava comendo daquilo, até acabar; quando estava esgotando o que tinha guardado, pensava noutra parada; e assim fui levando, até que fui parar no "Lxão". Morei num barraco lá em cima, dentro do Lixão, por muitos anos e aprendi a catar reciclados. Trabalhando do lixão, construi um barraco, casei, criei filhos. Eu só sei fazer isso. Se o lixão acabar, não tenho para onde ir e nem quero voltar para morar na rua e voltar a fazer o que antes de ser catador fazia.

O depoimento do "Seu Zé" despencou sobre a cabeça das pessoas que estavam ali, naquela sala. Uma pessoa se recuperou no Lixão, catando.

O Lixão é um lugar inóspito. O lixo que você produz em sua casa ou no apartamento e joga para fora, é recolhido pelo caminhão nas madrugadas e prensado para caber muito lixo em pouco espaço, facilitando o transporte. Os caminhões seguem quilômetros até o Lixão. Nesse transporte, acondicionado ali naquela caixa de metal, o lixo vai produzindo métano e chega quente lá no destino final onde os catadores, na madrugada, com um chapéu com laterna para iluminar, estão trabalhando desde a tarde.

O lixo é jogado, um trator espalha, e os catadores, com seus ganchos, vão abrindo os sacos em busca de papel, papelão, plásticos e metais. O fedor é insuportável, mas eles nem sentem, aquilo já faz parte do insalubre cotidiano. Todo o material coletado é armazenado em "Big-bags". Depois levado para o quintal de uma das ocupações ao redor do Aurá - Tem a Nova Vida, Santana do Aurá, mas gosto do Olga Benário, o nome é significativo e nem sei quem batizou o lugar assim - triado, separado e depois vendido.

O lixo que o catador retira e recicla deixa de fazer mal para o meio ambiente e voltra para industria produzir novos produtos, deixando de utilizar matéria prima virgem direto da natureza.

Em agosto a Lei 12.305/2010 determina que o lixão deve ser fechado e os catadores perderam o local de trabalho se o poder público não tiver sensibilidade para fazer a reinclusão socioeconômica. Se Zé está ficando cada vez mais apreensivo, ele não quer assistencialismo, só quer trabalhar duro, catar reciclados, vender e sustentar sua família, que constituiu sem pedir favor alguma para o estado.

 

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