A morte do advogado Jorge Pimentel não pode ficar impune




“O império da lei há de chegar no coração do Pará”, diz Caetano Veloso na música que está no CD Abraçaço.

Alguns, ao ouvir o brado do artista contra a impunidade que vigora no Pará, dizem que esta música é injusta e embota a imagem do nosso Estado:

- O Pará não pode ser prejudicado como estas afirmações levianas - reclamam as autoridades.

O Governo do Estado investe muito para divulgar as coisas boas daqui. Financiou o desfile da escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Os carnavalescos de lá se esforçaram para reproduzir nossa vasta e bem elaborada cultura. Erraram um pouquinho na imagem do Teatro da Paz, mas valeu a pena. Nossos encantos foram transmitidos para os quatro cantos do planeta. Venham para o Pará, aqui tem culinária, tem música, dança, belezas e riquezas naturais...

A música de Caetano, em contradição à imagem levada pela Imperatriz e pela propaganda oficial, ecoa.

“Quem matou o meu amor tem que pagar...”, diz a letra.

Mas eles nunca pagam. A impunidade dos mandantes dos crimes de encomenda continuam.

O Governo e os investidores do turismo protestam:

-       Estes crimes hediondos também acontecem em outros Estados – queixam-se.

Mas aqui, estes crimes acontecem muito e desafiam a realidade. Acontecem e ficam impunes, na maioria dos casos.

Mataram o casal de ambientalistas. Mataram a empresária. Mataram o viciado. Mataram o vereador. Mataram, mataram, mataram...

Todos por execução de hábeis pistoleiros contratados. Alguns acreditam na violência como saída para todo e qualquer conflito. Eles gozam de proteção política e acreditam ser intocáveis.

A polícia, quando muito, prende aquele que puxou o gatilho. O mandante segue impune para contratar outros bons atiradores. E olha que tem muita gente com coragem e agilidade para puxar um gatilho. Habilidade tal, que não pode ser vendida como produto paraense.

O Governo, para não alarmar, apresenta estatísticas que sugerem que os crimes abrandaram. Mas a música do artista baiano segue tocando nas rádios:

“Ter o olho, no olho do jaguar, virar jaguar...”

Um advogado e um empresário chegam num pacato bar de Tomé Açu para se divertir, jogando baralho. Estão alegres, como fazem todos os finais de semana que estão na cidade, jogam e jogam conversa fora, dia de sábado.

Os dois são envolvidos em política, acreditam na democracia, nas liberdades, nas instituições. O advogado bem mais. Eles têm pretensões futuras e conversam sobre elas enquanto manipulam as cartas, arrumando o jogo e descartando aquelas que não servem mais.

Um homem entra no bar, olha para os clientes. Diz que tem um assunto para tratar com os dois, o advogado e o empresário. Um tiro no peito do empresário o derruba de imediato, mais dois, um em cada braço que é para não esboçar reação, e mais uns quantos pelo corpo inteiro. O empresário que queria ser político está morto.

O advogado corre. Corre pouco em função da idade e do peso, mas corre em direção a sua casa, único reduto que acredita seja seguro naquele município terrível - município do diabo. Muitas pessoas morrem ali por bala de aluguel. Benezinho, um sindicalista que lutava por direitos dos trabalhadores rurais, foi assassinado quando saía do sindicato. Raimundo Sampaio, Cabeludo, Caruaru e dois moto taxistas, foram assassinados por encomendas. Muitos outros também foram.

O outro atirador que está na porta, vê o advogado passar correndo e como exímio caçador, espera a presa se afastar uns vinte metros de correria desesperada, fugindo da morte, e o alveja certeiramente pelas costas.

O advogado, alcançado pela bala, cai em uma vala fedida, com a cara nas águas servidas que vem de casas onde moram outros cidadãos sem cidadania.

O pistoleiro, meio querendo certificar a morte encomendada, chega perto e desfere muitos outros tiros. Já nem precisava mais, pois o advogado tinha sido morto com a primeira bala nas costas. A não ser que ele receba uma percentagem por cada bala que atinja o corpo de suas vítimas.

Os que estavam no bar, voltaram para terminar o trago e verificar o corpo do empresário. Os corpos ficaram no chão a espera da remoção. A cidade toda desconfia quem foi o mandante. As investigações iniciam. Muitos delegados foram deslocados para lá. A OAB enviou seus representantes. O Governador foi acionado. A imprensa se mobiliza para cobrir os detalhes e informar à população mais um crime de encomenda.

Os possíveis mandantes, autoridades políticas e empresários de grande fortunas, foram à casa dos parentes das vítimas, dizer que lamentavam o acontecido. A dor era tão grande, mas a ousadia e o medo impedem qualquer reação àquelas presenças indesejadas.

Caetano Veloso insiste:

“Quem matou o meu amor tem que pagar...”

Os que viram, conhecem os assassinos. Aquele que matou o Caruaru anda solto por lá. A Polícia vai interrogá-los, pedir a colaboração das testemunhas, mais eles não vão falar. Outros que viram, falaram e morreram - lembra do fulano que testemunhou o caso do Raimundo? Mataram. 

Caetano Veloso faz um último apelo:

“E ainda mais quem mandou matar (...)
O império da lei há de chegar lá”, termina a canção.
 

Posts Comments

©2006-2010 ·TNB