Morreu o prisioneiro 46664, Nelson Mandela. A morte era esperada, mas ao chegar nos choca a todos e nos faz refletir sobre o futuro da humanidade e o futuro do Brasil, um país tanto diverso quanto a África do Sul. Um país onde negros e pobres continuam sendo discriminados.
Eu, como muitos da minha geração, crescemos quando o Brasil estava sob o controle dos militares e sem democracia. Do meu bairro pobre, sendo filho de um motorista e de uma dona de casa, como muitos, vivi entre a miséria, a escassez de serviços públicos e ausência de liberdade para lutar por ideais.
Nestes tempos, surgiram muitos líderes que nos serviram de inspiração para lutar por dias melhores. O guerrilheiro José Genuíno. O líder estudantil José Dirceu. O operário Luis Inácio Lula da Silva. Na America, Fidel e Che Guevara aqui mais perto, nos davam a idéia de que a nossa luta era parte da luta dos irmãos latino-americanos.
Mandela, preso na Africa do Sul, lutava pelo fim do Apartheid e pela união de todas as cores e de todas as raças. Usou seu longo tempo de prisão para pensar num país unido e sem preconceito de cor e raça. Libertado, foi o construtor da unidade racial e propagador da paz. Liderou a todos e venceu pelo exemplo.
Apesar dos anos intermináveis de prisão, Mandela, sem ódio, chegou ao poder político e venceu pela paz. O líder sul-africano ampliou nossas bandeiras de luta e nossa visão de que o ódio de classe não seria o melhor caminho para construir uma nova sociedade.
Meus líderes também foram guindados ao poder político. Conquistamos a democracia, mas não conquistamos a igualdade. Hoje os líderes da minha juventude cumprem prisão por desvios de recursos públicos, foram condenados e cumprem prisão por crimes comuns.
Cuba prolonga ainda hoje o direito a liberdade pela qual lutamos tanto. Por não termos sido capaz de operar as mudanças sociais, a saúde no meu país, socorre-se de médicos vindo daquela Ilha onde a democracia ainda não chegou.
A morte de Mandiba nos remete ao que não fizemos, aos erros que cometemos, o compromisso de refazer nossos caminhos e continuar caminhando em busca de um mundo cada vez melhor.
Zé Dirceu e Zé Genuíno tem valor. Embora tenham errado, significaram muito para muitos de nós. Mandela dizia: "Não se esqueça de que os santos são pecadores que continuam tentando".
Mandela vai, mas nos deixa a missão de continuar tentando, pois:
"Ainda há gente que não sabe, quando se levanta, de onde virá a próxima refeição e há crianças com fome que choram."