Foto: UOL
Onde está tudo aquilo agora?*
O que aconteceu, da forma como aconteceu e na dimensão em que aconteceu, não foi previsto por ninguém da política. Ninguém.
As pessoas foram as ruas protestar contra um aumento de R$ 0,20 no preço da passagem de ônibus em São Paulo. Nem elas, do Movimento Passe Livre, que começaram tudo, tinham a noção que havia uma insatisfação generalizada instalada na garganta e no coração do povo brasileiro. A insatisfação estava espalhada num outro mundo não real, o mundo virtual conectado através das redes sociais.
Durante algum tempo, pessoas comuns do povo, com seus smartphone, notebook e tablet, vinham expressando o descontentamento com a política, com os partidos, com os governos, com as instituições, com as obras da copa, com o mensalão, com os acordos políticos escusos, com o código florestal, com belo monte, com as causas indígenas, com a falta de serviços públicos, com a mudança de postura dos partidos de esquerda, com a violência urbana, com os congestionamentos, com ausência de transporte público de qualidade, em fim, com a corrupção que tomou conta do país.
Estas insatisfações represadas, romperam as barragens com uma gota, gerada pela violência com que a polícia militar de São Paulo tratou as pessoas que se manifestavam contra o aumento na passagem do ônibus, quase no mesmo momento que o Brasil inaugurava caríssimos estádios de futebol para a copa das confederações.
No jogo de abertura do evento esportivo, as vaias à presidenta Dilma Rousseff era um importante sinal, que foi jogado para debaixo do tapete, escondido pela mídia financiada pela farra da FIFA e das propagandas de cerveja.
Enquanto as autoridades, as instituições e os partidos políticos viravam às costas e fechavam os ouvidos para a sociedade, milhões de frequentadores das redes sociais, durante muito tempo, em assembléia geral permanente, debatiam e passavam o Brasil a limpo, até encontrar o caminho das ruas, para, fisicamente, levantar um conjunto de questões absolutamente inaceitáveis pela ética coletiva.
As Redes sociais, em certos aspectos, funcionaram com um só partido político sem dono e sem tempo para acontecer. Aconteceu porque as vontades convergiram para uma forma de expressão coletiva consensual, inaugurada pelos paulistas.
No dia 17.06, dia histórico, de forma pacifica, um número bastante significativo de brasileiros foi as ruas substituindo o feed de noticias por cartazes que expressaram a insatisfação, deslegitimando seus representantes. Um sinal comum em todas as manifestações foi a rejeição a partidos políticos. Quem mais sofreu com a rejeição, foram os partidos de esquerda, em especial o Partido dos Trabalhadores e seus aliados. O PCdoB, em plena fervor dos acontecimentos, divulgou propaganda eleitoral em horário gratuito se auto-denominando o partido da copa.
Será que a sociedade brasileira pode, com este sinal, estar a questionar a nossa democracia enquanto uma democracia de partidos, cujo sistema institucional não mais representa a sua vontade?
Os partidos e os políticos não perceberam os sinais da sociedade porque estavam muito ocupados com os seus próprios futuros, deixaram de ouvi-la ou continuaram ouvindo por meios não legítimos.
Muitos partidos de esquerda, alguns de extrema boa-fé, lutadores de outras batalhas, organizadores e dirigentes de passeatas foram surpreendidos com a rejeição a suas bandeiras e por ter sido barrados pelos manifestantes.
Neste momento, devem estar se perguntando: onde está tudo aquilo agora?
Tudo o que estava nos manuais da velha esquerda falharam e não servem mais para o atual estágio da sociedade.
O que aconteceu pode estar à apontar para um embrião de um novo tipo de democracia, onde a representação da sociedade admite os partidos, mas exige à criação de espaços consolidados para a manifestação da vontade dos cidadãos, por via de instrumentos de consultas modernos e constantes como as redes virtuais.
O povo deu lições. Aprendam.
* Onde está tudo aquilo agora? é o titulo do mais recente livro de Fernando Gabeira
* Onde está tudo aquilo agora? é o titulo do mais recente livro de Fernando Gabeira