Vocês estão acompanhando a tragédia que foi o naufrágio do barco "Coração do Mar"? Pois é. Além das vítimas por afogamento, uma rapaz que era cobrador da embarcação, por tanto de um transporte coletivo de passageiros, ainda se enforcou dentro da cela. Por todos os aspectos que se queira analisar, foi uma tragédia sem dúvida.
Quero, porém, aproveitar o momento - não como aproveitador - para abordar um aspecto que não está sendo enfatizado nos diversos noticiários que até agora foram veiculados, que é a responsabilidade do poder público municipal sobre o caso.
A ilha Jutuba, local para onde se dirigia a embarcação sinistrada, faz parte do território do município de Belém.
Belém, para quem não sabe, é composta de uma parte continental, que representa apenas 35% do seu território, os outros 65% são as nossas trinta e duas ilhas, as ilhas ao sul e ilhas ao norte. Jutuba é uma das ilhas que ficam na parte norte da nossa cidade.
Essas ilhas abrigam mais de 20% da nossa população. É uma população belemense esquecida totalmente pelo poder público, parece que a nossa Constituição Federal e a Lei Orgânica nunca chegaram por lá. Principalmente o direito a mobilidade urbana.
A nossa Carta Magna reservou um capítulo para política urbana, cujo artigo 182 garante o bem-estar de seus habitantes: "Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes". E o bem-estar da pessoa humana inclui o direito a mobilidade, que é a possibilidade de deslocamento em todo território em serviço público de transporte com qualidade.
O transporte público tem caráter essencial, sendo um direito do cidadão e um dever do município prestá-lo, conforme está normalizado no inciso V, do art. 30, da própria Constituição Federal, como se lê: "Art. 30. Compete aos Municípios. V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;"
A Prefeitura de Belém é a grande responsável pelo desastre acontecido no último domingo, durante uma operação de transporte público para Ilha Jutuba, território desse município. É responsável porque deveria prestar o serviço e não o faz. É responsável porque deveria fiscalizar o que precariamente existe, mas não faz, resultado, permite que as pessoas, sendo obrigada ao deslocamento, sujeite-se, diariamente, a utilizar embarcações inseguras, sem equipamentos de segurança e conduzida por pessoas não habilitadas. Quem deveria estar respondendo pelas mortes deveria ser a superintendente da SEMOB que até agora sequer for citada. E não adianta jogar a responsabilidade para a Capitania dos Portos.
A Prefeitura de Belém nunca cuidou dos habitantes das ilhas. Quem mora ali não tem direito aos mínimos serviços públicos como transporte público, saúde, energia elétrica, coleta de lixo e serviço de água tratada.
O pouco de serviço de água tratada e fossas sépticas existente em algumas dessas ilhas de Belém, foi providenciado pela Caritas Arquidiocesana, atendendo pedido do grande Arcebispo Dom Orani João Tempesta, levado a conhecer as paroquias das ilhas pelo Padre Jonas.
Não quero pedir punição a ninguém, quero apenas chamar a atenção para um problema que acontece quotidianamente que é o transporte por embarcações precárias entre as ilhas de Belém e o seu continente. Muitas vezes, esse transporte é feito em frágeis cascos de madeira impulsionados pelas famosas rabetas, modo de transporte corriqueiro utilizado pelos moradores do Combu para acessar os serviços público, como postos de saúde e as escola que estão aqui no continente.
Está na hora do poder público cumprir seu papel constitucional e assumir os seus deveres para com os moradores das nossas ilhas.