Caixa dois nas campanhas eleitorais

Antes de entrar no tema, peço desculpas aos leitores por este artigo longo, imploro que tenham um pouquinho de paciência e leiam até o final, por favor.

Elaborei este texto com a responsabilidade e a experiência de quem já esteve atuando nas três esferas de poder. Já exerci os mandatos eletivos de vereador e deputado, fui assessor do Tribunal de Contas dos Municípios, Chefe da Casa Civil, advogado e, atualmente, secretário municipal de meio ambiente.

O caso do Governador Arruda é mais um, entre muitos já acontecidos. O enredo é o mesmo. Dinheiro público desviado com a justificativa de sustentar atividade política, isto na melhor hipótese, se é que tem melhor.

Flagrados com a mão na botija, como se dizia antigamente, roubando o dinheiro do povo, o político apela para sofisticação e imita o presidente Lula, que, no episódio do mensalão, foi para França, no jardim de um belo castelo, diante de uma jornalista desconhecida, indagou – quem não faz caixa dois no Brasil? Todos calaram, igual aqueles que apedrejavam a mulher. 

O Presidente voltou da Europa, como se nada tivesse acontecido, venceu mais uma marolinha. Os chamados mensaleiros renunciaram ao mandato ou foram absolvidos, candidataram-se novamente, sendo eleito para uma outra chance, como que teve Arruda, após se envolver no caso da fraude do painel do Senado.

Os únicos mensaleiros que ficaram sem mandato foram Roberto Jefferson, que ainda hoje preside o PTB e o Zé Dirceu. O Zé, talvez por isso se ache injustiçado até hoje: - porque só eu? deve perguntar-se defronte do espelho, ao fazer a barba todas as manhãs. Mas Zé Dirceu, virado como ele só, mineirinho comequieto, passou a prestar consultorias e, hoje, é um homem rico, dizem.

Disse-me um político de Brasília, com quem conversei a pouco, que se houvesse um sujeito filmando em cada município brasileiro, provavelmente, teríamos mais de cinco mil escândalos. É bem provável.

Estamos cansados de saber que febre e dor de cabeça não são doenças. Estes sintomas não passam de reações do corpo a verdadeiros males que os ataca. É preciso, pois, investigar, diagnosticar e tentar curar a mazela para que a febre a dor passe definitivamente.

A corrupção ou o desvio de recurso publico para outras finalidades, nunca serão curadas com aplicação de analgésicos. Precisamos descobrir o tumor e extirpa-lo. Será que faltam médicos, aparelhos para os exames ou o paciente não quer se submeter ao tratamento adequado?

O Brasil vem sofrendo desta doença a um bom tempo. Antes do golpe de 1964, pelo menos é o que o noticiário político informa, o clima de corrupção no País era terrível. Para supera-lo entramos num cinzento cenário, vidas foram ceifadas, atrocidades cometidas, liberdades suprimidas, com a promessa que o Brasil seria passado a limpo. Pagamos um preço absurdo para, no final, termos mais e mais escândalos.

Fizemos a luta por democracia e reconquistamos o direito de votar. Logo o nosso primeiro presidente eleito sofreu impeachment por corrupção, caixa dois, tráfico de influência, digo isso para não vir um engraçadinho dizer que foi apenas um Fiat Elba. As instituições funcionaram, a democracia venceu, e o Presidente foi impeachmado. Comemoramos nas ruas os bons ventos.

Depois deste episódio, e de uma transição, elegemos um mestre, um doutor honoris causa , o papa do centro-esquerda, o conciliador, o social-democrata, o moderno europeu Fernando Henrique Cardoso, mas seu governo, também, foi alvo de denuncias de escândalos.

Segundo o que foi registrados pela revista Consciência: " Entres os 45 pontos estão os casos Sudam, Sivam, Proer, caixa-dois de campanhas, TRT paulista, calote no Fundef, mudanças na CLT, intervenção na Previ e erros do Banco Central.”

Oito anos se passaram e o povo brasileiro, depois ter preterido por diversas vezes o radical petista de esquerda, favorável a ocupação de terra, a socialização até de quitinete e a estatização de granja, que metia medo na burguesia, sendo, inclusive, alvo de campanhas difamatórias, como a que fez o empresário Mário Amato, mandando os empresários abandonarem o Brasil em caso de sua vitória, resolveu elege-lo. Pânico para alguns, euforia para outros.

Lula assumiu, manteve a equipe econômica de FHC e todas as principais orientações do governo anterior. Procurou se entender com a burguesia nacional, aprofundou os programas sociais do PSDB. Mas logo vieram os escândalos do tipo mensalão, dinheiro na cueca, os trapalhões do falso dossiê…

Feito esta longa e maçante retrospectiva, vamos tentar encontrar o tumor, a doença. Afastemos de cara a idéia que o corpo poderá ficar permanentemente livre de bactérias ou imune a ataques, isso é impossível. Para evitar ataques, o remédio é reforçar as defesas naturais, através de instituições livres e democráticas, mantendo vigilância permanente, contra os invasores.

A máquina pública sempre será atacada pelo ladrão comum, o marginal, o assaltante de cofres, que usa a política para enriquecer, aumentar seu patrimônio pessoal. Neste caso, deve-se aplicar a defesa natural através de bons sistemas de controle externo e interno, é punir exemplarmente o marginal, aplicando-lhe a lei penal com a gravidade que o caso merece. Acredito que a lei processual deveria trata-los especialmente, não permitindo qualquer tipo de embromação ou estratégia de prescrição.

Dito isto, concentremos nosso atenção no quadro especial da enfermidade: aquela que resultou nos escândalos que se repetem, envolvendo gente considerada séria, com história política respeitável, com serviço prestado ao país, vindos de quase todos os partidos políticos.

Os partidos e políticos, para conquistarem o apoio de líderes, mantém uma rede de favores, de atendimentos, a um custo sempre superior as sua possibilidades arrecadadoras e pessoais. Pois, mesmo a campanha mais republicana do mundo, não é feita sem custo financeiro. Essa é uma verdade insofismável.

A legislação partidária e eleitoral, cheia de crimes e proibições, não responde as indagações da realidade política brasileira. Proibiu-se tudo, inibiu-se o debate, premiou-se a ilegalidade. Os atuais ocupantes dos cargos legislativos, responsáveis por votar a reforma política, são refratários a mudanças, afinal, eles foram eleitos com as regras atuais.

As campanhas começam sempre um ano antes do pleito, mas as arrecadações oficiais só estão autorizadas depois das convenções. Quem paga e como paga as despesas que acontecem neste período?

As empresas e os eleitores brasileiros não fazem doação de campanha, salvo se forem prestadores de serviço público ou dependentes de decisões governamentais.

Os doadores de campanhas, quando fazem, preferem dar suas contribuições sem aparecer, justamente para evitar perseguições ou encrencas futuras.

A maioria das despesas eleitorais foram criminalizadas, mas nem por isso deixaram de ser feitas, apenas o recurso que se utiliza é o de caixa dois ou recursos não contabilizados.

As eleições, por força das mudanças operadas na legislação e na constituição, privilegia o debate apenas para os cargos majoritários. O legislativo é eleito sem que o eleitor conheça a proposta, o currículo, a vida pregressa dos futuros legisladores.

O povo não faz uma correlação entre o candidato executivo de sua preferência e apoio parlamentar que este vai necessitar para ter a chamada governabilidade. Resultado: elegemos o chefe do poder executivo e não lhe damos uma confortável maioria legislativa.

Quantos prefeitos, para não falar em governador e Presidente da República, estão nas mãos ou sendo chantageados por vereadores? Cada votação, por menos importante que seja, vira uma negociação. Um autorização legislativa para o município tomar empréstimo, gera a exigência de celebrar convênios para entidades, as vezes, fantasmas, indicadas por parlamentar. Uma ameaça de instalar uma CPI pode render muitos cargos e indicações políticas. A aprovação do orçamento anual só é feita se o chefe do executivo negociar as emendas parlamentares. O País não aguenta tudo isso e nem a Polícia Federal e o Ministério Público são o caminho mais seguro para resolver esta crise.

Vamos punir exemplarmente os corruptos e praticantes de caixa dois, vamos expulsa-los da vida pública, coloca-los atrás das grades, mas vamos, de uma vez por todas, convocar uma Assembléia Constituinte específica para fazer a reforma política. Os constituintes, para esta nobre e importante tarefa, deveriam sair uma parte do povo, por voto direto; a outra por indicação de instituições sérias como a OAB.

 

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